Cientistas descobrem que a retirada do prepúcio
reduz a incidência de doenças sexualmente transmissíveis
porque, após o procedimento, há uma queda considerável da quantidade de bactérias no pênis
A
circuncisão masculina reduz de 50% a 60% o risco de infecção por HIV em homens e diminui a incidência e a prevalência do vírus herpes simplex 2 (HSV-2) e do papilomavírus humano (HPV).
Outros estudos mostram o impacto do procedimento também nas infecções bacterianas transmitidas sexualmente mais comuns, como a clamidíase, a gonorreia,
a sífilis e a infecção pelo protozoário causador da tricomoníase. O benefício é estendido às mulheres com
parceiros circuncidados – elas apresentam menor risco de contrair essas DSTs. Apesar de comprovado cientificamente,
o processo que leva a essa proteção nunca foi compreendido pela comunidade médica. Cientistas de um
grupo formado por diversas instituições americanas de pesquisa acreditam que a resposta para esse enigma ode estar em alterações no conjunto de micro-organismos que habitam o pênis após a cirurgia de circuncisão.
As descobertas foram descritas na edição deste mês da revista científica da Sociedade Americana de Microbiologia.
A equipe liderada por Lance Price, do Instituto de Pesquisa Genômica Translacional e da Universidade George
Washington, contou com mais de 156 voluntários em Uganda, na região central africana, inicialmente não circuncidados.
A ideia era estudar os efeitos da Circuncisão
sobre os
tipos de bactérias que vivem no prepúcio antes e depois da cirurgia, também
conhecida como postectomia clássica.
Primeiramente, foram recolhidas amostras da microbiota do sulco coronal peniano, região logo abaixo da glande, de todos os participantes. Em seguida, 79 homens foram circuncidados e 77 voluntários selecionados para
o grupo de controle – não submetido ao procedimento.
Um ano depois, os voluntários foram novamente recrutados para uma segunda coleta da microbiota, que teve o
resultado comparado com o do material inicial. Enquanto todos estavam na mesma condição, isto é, antes da cirurgia,
a microbiota dos dois grupos de homens tinha índices bastante parecidos tanto em diversidade quanto em quantidade de micro-organismos. Após a cirurgia, a carga bacteriana de todos os homens sofreu um declínio, sendo que, nos circuncidados, essa queda foi muito mais expressiva. Os pesquisadores observaram também que, entre os tipos de bactérias presentes na região, os homens
circuncidados tiveram uma grande diminuição dos micro-organismos anaeróbicos e um aumento dos aeróbicos
“A mudança nas comunidades é muito caracterizada pela perda de anaeróbicos. É dramático. Do ponto de vista ecológico, é como rolar uma pedra e ver o todo o ecossistema mudar.
Você remove o prepúcio e aumenta a quantidade de oxigênio, diminuindo a umidade. Estamos mudando o ecossistema”, analisa Price. O líder do estudo considera que, para a saúde pública, os resultados são realmente interessantes, já que alguns dos micro-organismos decrescentes são aqueles que podem causar inflamações. “Estamos acostumados a pensar em como interromper o microbioma intestinal pode tornar alguém mais suscetível a
uma infecção. Agora, acho que, talvez, esse distúrbio (no microbioma do pênis) poderia ser uma coisa boa. Poderia
ter um efeito positivo”, complementa.
Fim da cirurgia
Os próximos planos da equipe, segundo Price, é entender se as bactérias presentes no pênis afetam a transmissão
do HIV. Isso será feito por meio do estudo de possíveis ligações entre as mudanças no microbioma e as respostas
de citocinas – mecanismos que podem ativar o processo de sinalização do sistema imunológico. O pesquisador acredita que compreender as mudanças no microbioma seguinte à cirurgia poderia, eventualmente, levar a intervenções que tornem o procedimento cirúrgico desnecessário. “O trabalho
que estamos fazendo, por potencialmente revelar os mecanismos biológicos subjacentes, pode revelar alternativas à circuncisão que teriam o mesmo impacto biológico. Em outras palavras, se achar que um grupo de
anaeróbicos é responsável por aumentar o risco de HIV, podemos encontrar formas alternativas para derrubá-los”.
Dessa forma, segundo Price, seria possível prevenir a infecção pelo HIV em todos os homens sexualmente ativos.
Para o professor de urologia da Universidade Estadual de Feira de Santana José de Bessa Júnior, os resultados desse estudo, de alguma maneira, confirmam pesquisas mais robustas realizadas na África Subsaariana que demonstram a redução da contaminação pelo HIV por meio da circuncisão.
Mas ele não acredita que o trabalho tenha um impacto importante na prática clínica de imediato, já que o nível de
evidência científica do mesmo é menor do que o dos anteriores. “Difícil prever o impacto futuro desses achados.
Entendo que será menor do que os estudos já publicados anteriormente que demonstraram os benefícios ‘clínicos’ da circuncisão na diminuição da transmissão do HIV e de outras doenças sexualmente transmissíveis tanto para os sujeitos operados quanto para as suas parceiras.”
Bessa esclarece que dados precisos quanto à incidência da circuncisão no Brasil são desconhecidos, mas ele considera
que, no caso brasileiro, os benefícios populacionais do procedimento são mínimos, dado a baixa prevalência de circuncidados. Segundo o especialista, dados iniciais, ainda não publicados, no estudo que conduz sobre a prevalência
de postectomizados indicam que a prevalência é menor do que 3%, o que faz que os benefícios do procedimento
se limitem aos circuncidados. “A cirurgia tem algum papel na ‘prevenção individual’ do câncer de pênis, mas um efeito mínimo na diminuição das DSTs e na incidência do câncer de pênis quando analisamos a população como um todo”, avalia Bessa.