Considerando-se as projeções de
consenso, a economia dos EUA encerrará o ano de 2013 com um crescimento ao
redor de 1,6%, dando continuidade ao processo de recuperação cíclica iniciado
em meados de 2009. Ao longo desses quatro anos e meio, a economia tem
crescido a uma velocidade média de 2,2%, o que representa um ritmo bastante
inferior aos 3% anuais observados em média nos dez anos terminados em 2007,
antes da eclosão da recessão mais severa dos últimos 80 anos.
Embora a recuperação venha sendo marcadamente lenta desde o seu início, temos
neste ano uma desaceleração adicional em relação aos anos anteriores. Isto se
explica principalmente pela postura fiscal. Durante a recessão, o déficit
público ampliou-se fortemente, tendo atingido 10% do PIB em 2009. Essa
elevação reflete, em parte, o efeito inevitável da contração da atividade
econômica sobre a arrecadação e os gastos. Por exemplo, os gastos do governo
com seguro-desemprego sobem inevitavelmente à medida que se ampliam as
demissões. Da mesma forma, a recessão leva à queda da arrecadação. Além
desses efeitos automáticos, houve um esforço deliberado das autoridades para,
através de elevações de gastos e reduções de impostos, mitigar a amplitude e
a duração da recessão.
Evidentemente, o déficit público não poderia permanecer indefinidamente em
patamares tão elevados. A contrapartida da utilização da política fiscal para
mitigar a recessão é a necessidade de produzir redução do déficit público
quando a economia retoma a trajetória de crescimento. Esse ajuste de fato tem
estado em curso desde 2010 e foi especialmente agudo neste ano, quando o
déficit deverá ser reduzido a 4% do PIB, ante 7% em 2012. Considerando-se os
12 meses terminados em outubro, vê-se que esse ajuste tem se dado tanto pelo
crescimento da arrecadação, de 10,2% em termos reais em comparação aos 12
meses terminados em outubro de 2012, como pela redução dos gastos, de 5,4% na
mesma base de comparação.
Trata-se, portanto, de um ajuste extremamente severo, com efeitos
contracionistas inevitáveis. Embora o déficit público deva seguir em
trajetória declinante pelos próximos dois anos, a velocidade de ajuste deve
ser bastante reduzida a partir de 2014. Pelas projeções doCongressional Budget Office,
a redução no próximo ano deve ser de 4% para 3,4% do PIB. Como consequência,
o efeito contracionista da política fiscal deverá ser bem menor.
No que toca ao setor privado, vemos perspectivas razoavelmente favoráveis.
Por exemplo, o setor imobiliário residencial, que esteve no epicentro da
crise de 2008, deve seguir em trajetória de gradual recuperação, como tem
sido o caso desde 2012. O excesso de investimento que se acumulou nesse setor
nos anos de euforia, entre 1996 e 2006, em grande parte já foi absorvido.
Como consequência, a vacância de imóveis se reduziu a patamares mais razoáveis,
e os preços têm estado em trajetória de recuperação vigorosa: nos 12 meses
terminados em setembro, o índice S&P Case Shiller para 20 cidades acumula
alta de 13,3%. Além disto, a formação de novos domicílios, que se deprimiu
fortemente durante a crise, tende a se recuperar nos próximos anos,
refletindo a melhoria das condições do mercado de trabalho. Isto significará
aumento da demanda por residências e, dado que os estoques de imóveis vagos
já se reduziram consideravelmente, ela terá que ser atendida por uma
intensificação da atividade de construção.
Destaque-se também que as perspectivas de consumo são razoavelmente
construtivas. A própria recuperação dos preços de imóveis tem um efeito
positivo importante sobre a situação patrimonial das famílias, e o mesmo se
aplica à forte alta dos mercados acionários. Somando-se a isto a elevação da
poupança das famílias desde a crise, tem-se uma trajetória de redução do
endividamento e elevação da riqueza dos agentes, o que cria condições mais
favoráveis ao consumo.
Ainda em relação ao setor privado, destaque-se que a elevação dos preços de
imóveis tem implicações positivas também sobre a situação patrimonial dos
bancos e contribui para a continuidade da melhoria da disponibilidade do
crédito e da disposição dos bancos em emprestarem.
No todo, vemos condições para que a demanda privada doméstica final se
expanda de forma sólida em 2014. Isto, aliás, já aconteceu recentemente: nos
últimos três anos ela se expandiu a um ritmo anual médio de 2,9%, acima do
crescimento médio do PIB no período, que foi de 2,2%. A diferença é explicada
principalmente pela contração dos gastos do governo, que foi de 2,2% ao ano
nesse período. Considerando-se ainda que teremos menos elevações de impostos,
que restringiram notadamente o consumo em 2013, é razoável esperar que o
crescimento mostre aceleração no próximo ano. De fato, o consenso de mercado
aponta um crescimento de 2,7% em 2014, o que implicaria uma aceleração da
ordem de 1 p. p. em relação ao desempenho deste ano.
Naturalmente, a perspectiva de aceleração do crescimento em 2014 traz consigo
a discussão sobre a normalização das condições monetárias. O Fed tem indicado
que a redução no ritmo de compras no atual programa de compra de ativos,
chamado de QE3, deverá acontecer em futuro próximo.
A mera sinalização de que essa redução no ritmo de compra de ativos ocorrerá
produziu nos últimos meses uma tendência de elevação nos juros de longo
prazo: o yield dos
títulos do Tesouro de 10 anos, por exemplo, elevou-se de algo ao redor de
1,6% em maio deste ano para perto de 2,75% no final de novembro. Os níveis
atuais de juros, contudo, ainda são excepcionalmente baixos para padrões
históricos, e a tendência pelos próximos anos é de elevações adicionais.
A boa notícia, porém, é que o processo de normalização das condições
monetárias se anuncia benigno. A inflação até aqui segue em níveis
historicamente baixíssimos. O núcleo do deflator dos gastos de consumo (PCE,
na sigla em inglês) teve elevação de apenas 1,2% nos 12 meses terminados em setembro.
Esse patamar é bastante inferior ao objetivo de 2% perseguido pelo Fomc (o
comitê de política monetária do Fed). Obviamente, as autoridades considerarão
que a política monetária opera com defasagens – os efeitos de ações
implementadas hoje se farão sentir plenamente sobre a inflação com intervalos
de até 2 anos. Nesse sentido, é natural que o processo de redução de
estímulos tenha início antes de a inflação emitir sinais preocupantes. De
qualquer modo, o quadro atual sugere que o processo de ajuste da política
monetária pode se dar de forma gradual e ordenada.
Isto não quer dizer, evidentemente, que esse processo seja isento de riscos.
Eles existem por uma série de motivos. Há, em primeiro lugar, as dificuldades
inerentes à calibragem adequada de instrumentos não convencionais. O
ineditismo dos instrumentos que têm sido utilizados impõe maiores
dificuldades na quantificação dos seus efeitos, e como consequência há riscos
maiores.
Além disto, há incertezas importantes em relação aos desenvolvimentos pelo
lado da oferta. Como dissemos, há boas razões para acreditar que haverá uma
aceleração do crescimento da demanda agregada em 2014. A velocidade de
normalização da política monetária, contudo, depende crucialmente da dinâmica
de redução da ociosidade da economia. No atual período de pouco mais de
quatro anos de recuperação cíclica, há claras evidências de que o crescimento
potencial da economia tenha sido substancialmente mais baixo do que havia
sido em média no pós-guerra. Como resultado, a taxa de desemprego tem caído a
uma velocidade maior do que poderíamos supor, dado o ritmo de crescimento da
economia.
A questão fundamental, sob a ótica da política monetária, é até que ponto o
mau desempenho da oferta nos últimos anos reflete fatores transitórios.
Diante dessa incerteza, há um intenso debate, inclusive dentro do Fomc, sobre
qual seria a velocidade adequada de normalização da política monetária
americana ao longo dos próximos anos.
No todo, pode-se dizer que as perspectivas para a economia americana são
moderadamente favoráveis. A normalização da política monetária é decorrência
inevitável do avanço no processo de recuperação cíclica que, ao que tudo
indica, ganhará velocidade em 2014. Embora esteja claro que a trajetória dos
juros será ascendente nos próximos anos, há ainda bastante incerteza sobre a
velocidade desse processo. Mesmo que ele ocorra de forma gradual e ordenada,
haverá efeitos importantes sobre a economia mundial. Devemos ter redução de
fluxos de capital para países emergentes e, nesse contexto, haverá mais
escrutínio dos investidores em relação aos fundamentos de cada país. O
Brasil, infelizmente, se colocou nos últimos anos em posição de maior
vulnerabilidade a movimentos desse tipo.
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