A renovada ameaça
iraniana
Nas
últimas semanas a situação na Ucrânia tem chamado a atenção de estrategistas ao
redor do mundo, tanto por seu potencial bélico quanto pelas lições que dela
podem ser aprendidas. Apesar disso, no Oriente Médio continua a guerra na
Síria, agora entrando em seu terceiro ano e sem sinais de arrefecimento e o
Irã, afastado do foco, manobra para consolidar seu programa nuclear.
Não
há por enquanto nenhuma resposta às perguntas que fizemos em nossa última
análise: nenhuma instalação foi desativada, não houve comprometimento iraniano
em relação às centrífugas, e não há qualquer
limitação ao programa de mísseis de longo alcance.
A
disputa na Ucrânia pode ter ainda outras consequências extra-regionais: se
houver um posicionamento europeu e norte-americano muito duro frente à Rússia,
esta poderia retaliar reabrindo as negociações com o Irã para o fornecimento de
baterias de misseis S-300, a posse dos quais aumentaria significativamente o
custo de uma ofensiva contra as instalações nucleares iranianas. E ainda que os
russos tenham apoiado as sanções contra o Irã e se oponham a sua nuclearização,
uma maior pressão contra a Rússia, especialmente econômica, poderia levar os
russos a buscar uma compensação na venda de armas e equipamentos nucleares (um
novo reator) ao Irã.
Qual
é então o teor da ameaça iraniana e quais são as opções de que dispõem os
formuladores israelenses da politica de segurança nacional? Israel conseguiu gerar,
ao longo dos últimos anos, a necessária reação internacional para combater o
programa nuclear iraniano. As sanções impostas ao Irã são o reconhecimento, por
parte das grandes potencias, de que o programa nuclear iraniano não era
pacifico e os israelenses agiriam unilateralmente para interrompe-lo. Mas ao
longo do ultimo ano os engajamentos norte-americanos levaram a uma
flexibilização e à aceitação das posições menos hostis do novo presidente
iraniano – o que dá folego ao Irã e renova a ameaça.
A
maior parte dos elementos não mudou:
- O Irã continua a
negar a Israel o direito à existência
- Atua ao redor do
mundo em uma campanha de de-legitimação.
- Apoia abertamente
grupos terroristas engajados na destruição de Israel e instituições
judaicas
- O Irã certamente já
adquiriu a infraestrutura necessária para a produção de mais de uma bomba
nuclear, e os meios para lançá-la.
Quais
seriam as consequências da obtenção por parte do Irã de tal capacidade?
- Os Estados Unidos e
as outras grandes potências teriam de enfrentar a nova capacidade de
dissuasão do Irã, o que limitaria seriamente sua capacidade de
intervenção.
- Ainda que houvesse
uma grande disparidade em relação ao poderio, Israel deixaria de ter o
monopólio nuclear no Oriente Médio e sua capacidade ofensiva se reduziria
dramaticamente.
- O Irã atrairia inúmeros
países-satélite no Oriente Médio e
na Ásia Central
- O aumento do
prestigio do governo fortaleceria o regime diminuindo as possiblidades de
uma alternância promovida pela oposição.
Há
dois anos o ex-presidente Rafsanjani, (como o atual, considerado um moderado)
declarou corretamente que Israel, dadas suas reduzidas dimensões, não poderia
sobreviver nem a uma bomba, e uma paridade nuclear tornaria Israel muito mais
vulnerável a uma longa guerra convencional de atrito. O apoio do Irã ao Hamas e
outros grupos radicais que negam o direito de Israel à existência garantem
também a inviabilidade de um acordo de paz com os palestinos; os acordos já
assinados com o Egito e a Jordânia tiveram sua origem no reconhecimento de que
Israel não poderia ser derrotado – realidade que o Irã tenta minar.
Até 2009 Israel promoveu uma política baseada em
ações secretas, como o assassinato de cientistas iranianos e a introdução de
vírus que comprometiam o movimento das centrifugas de enriquecimento de uranio.
E ainda que efetivo, o esforço não foi
suficiente para interromper o programa, obrigando os israelenses a reiterar sua
disposição de engajar-se unilateralmente em uma ação militar; somente isso
levou a um maior envolvimento das grandes potências e a uma intensificação das
sanções que agora estão sendo relaxadas.
No ultimo ano a discussão tornou-se publica em
Israel, com vários elementos apontando
para os custos de uma ação militar contra o Irã. Mas o dilema de um Irã nuclear
tem de ser enfrentado pelo conjunto de países liderados pelo grupo 5+1, alvos
potenciais não somente de um Irã equipado com artefatos nucleares e foguetes,
mas também aliado de organizações terroristas que tem buscado estes elementos
para praticar atentados ao redor do globo.
Um Irã nuclear poderia paralisar a livre circulação
marítima através do Golfo Persico, levando a um colapso da economia mundial,
mesmo em uma era do pré-sal e da exploração das camadas de xisto nos Estados
Unidos. Mas este também poderia ser o resultado de um ataque às instalações
nucleares do Irã. Mas qual teria sido a possível reação do ocidente à invasão
do Kuwait pelo Iraque em 1990, se Israel não tivesse bombardeado o reator de
Osirak e Saddam Hussein tivesse obtido armas nucleares?
Um Irã nuclear levaria ainda a uma corrida armamentista
em toda a região, com o provável fornecimento pelo Paquistão de armas nucleares
para a Arábia Saudita e à nuclearização do Egito e da Turquia.
Se
as sanções não forem efetivas (especialmente num ambiente em que o preço do
barril de petróleo ronda os 100 dólares) restam somente duas opções: um ataque
às instalações iranianas, ou a aceitação do Irã como mais uma potência nuclear.
A maioria dos especialistas concorda com a inviabilidade de um ataque, tanto em
função de seu possível resultado parcial quanto de seu custo. Diferentemente do
que ocorreu com o ataque ao reator iraquiano de Osirak em 1981, ou às supostas
instalações nucleares da Síria em 2007, um ataque ao Irã não poderia eliminar o
programa nuclear iraniano.
A
destruição do facilmente identificável reator em Busher somente causaria uma
catástrofe ambiental, enquanto a maioria das instalações ligadas ao programa e
dedicadas ao enriquecimento de urânio estão de alguma maneira protegidas, ou
por terem sido construídos em áreas subterrâneas ou por terem localização ainda
desconhecida. Assim, se um ataque israelense, norte-americano, ou conjunto
pudesse fazer retroceder em alguns anos o programa nuclear iraniano, certamente
não poderia destruí-lo, e levaria a uma coesão da opinião pública iraniana que
destruiria qualquer perspectiva de derrubada do atual governo. E o custo seria
enorme: os iranianos certamente retaliariam contra as bases e tropas
norte-americanas estacionadas no Golfo Pérsico, minariam o Estreito de Hormuz e
utilizariam sua frota de lanchas de assalto e mísseis anti-navio, impedindo ou
seriamente dificultando a passagem de petroleiros que transportam 40% do
petróleo em circulação no mundo. A efetividade de tais mísseis ficou comprovada
durante o conflito no Líbano em 2006, quando um navio israelense foi atingido,
e seriamente danificado, por um míssil fornecido pelo Irã e lançado pelo
Hizballah.
Os
“clientes” iranianos no Líbano e na Faixa de Gaza provavelmente se veriam
obrigados a participar do confronto, utilizando seu arsenal de foguetes contra
o território israelense, e Israel se veria numa situação extremamente
vulnerável já que, seus aviões engajados no ataque ao Irã, não poderiam
eliminar os mísseis de longo alcance de posse do Hizballah. Se no confronto de
2006 um milhão de moradores do norte de Israel abandonou suas casas, não é
difícil imaginar o impacto provável de
mísseis atingindo bairros de grandes centros urbanos como Jerusalém e Tel Aviv.
Aparentemente há poucas opções de
utilização de hard power, a não ser
que os israelenses identifiquem avanços significativos no programa nuclear
iraniano, aliados a uma percepção de que um Irã nuclear possa representar uma
ameaça existencial a Israel. Caso contrário, um Irã tornado invulnerável como
potencia nuclear representará muito mais uma ameaça aos interesses
norte-americanos na região, exigindo dos Estados Unidos a expansão de seu
guarda-chuva nuclear ou a aceitação de uma nova corrida armamentista nos moldes
do início da Guerra Fria, com todas as implicações de sua instabilidade.
O atual governo israelense tem de
tomar decisões difíceis, que certamente comprometerão o futuro do país, e não é
surpreendente que se mova com tanta cautela em relação aos palestinos e aos
sacrifícios que tem sido exigidos de sua parte para um avanço das negociações.
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