A celebração dos 25
anos da Carta Magna é momento de não só se atentar às inovações do documento de
88, mas também, na sua organização, de darmo-nos conta da riqueza de sugestões –
que não
prosperaram, sobretudo
em função da Comissão Arinos – de um trabalho da intelligentsia brasileira, saída
da ditadura, e podendo trabalhar a fundo, já à época, o que seria uma
prospectiva do nosso Estado
de Direito.
As inovações da
Comissão, passadas à Carta, exatamente como imediata contrapartida ao regime autoritário,
começam pelo habeas data, recurso
simétrico ao habeas
corpus, para o cidadão, toda a amplitude da informação processada em órgãos públicos
e privados, a eliminar todo o segredo da cidadania e as pressões do controle
invisível que se arrastavam
até então, num
resquício do regime militar.
Da mesma forma, e no
reconhecimento amplo do direito à imagem, a
Carta acolheu o direito
de resposta às distorções do conceito
da reputação cidadã, no
corretivo ao direito de resposta “proporcional
ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem”.
Infelizmente, até hoje,
entretanto, numa clara falta da consciência
democrática profunda, a
mídia não se afez a essa imposição
constitucional, e não
só demora o corretivo, mas, sobretudo,
às agressões em
manchete correspondem justificativas muitas vezes diminutas, perdidas no miolo
das páginas dos diários.
No quadro dos direitos
do preso, a Constituição incorporou, inovadoramente, o direito ao silêncio do
detido, e a só falar na frente de seu advogado.
Em favor do
aprofundamento do respeito à vontade dos cidadãos, a Carta do Dr. Ulysses,
seguindo a Comissão Arinos, acolheu, na tarefa legislativa, a iniciativa
popular, prevendo a apresentação direta de projetos normativos, dentro de
percentuais de assinaturas definidos, em todo o território nacional.
Mas, curiosamente, a
nova lei-base não acolheu, na garantia permanente do Estado de Direito, o
artigo-fundador, já constante da Carta anterior,
que é a de que “a
especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros
direitos e garantias decorrentes dos regimes e dos princípios que ela adota”.
No que, a bem das garantias cidadãs permanentes, permitiria o reconhecimento
desses direitos, sem implicar a modificação do texto magno. É o que começa pela
explicitação do direito
à vida e à morte digna, a abrir todo um caminho para o direito à estrita
fruição da consciência e ao reconhecimento da eutanásia.
Já o projeto de 87
reconhece, no quadro dos direitos sociais, o planejamento familiar, e, num tópico
fundamental do direito de propriedade, admite a sua compensação, não em
dinheiro, mas
por títulos da dívida
pública, em todas as hipóteses de reforma agrária ou urbana.
A Comissão Arinos,
sobretudo, sensibilizou-se pelas crises da representação e da mantença de mandatos,
na antevisão do quadro de corrupção e de abuso de poder, a dominarem os nossos
dias.
Anteviu a revogação de
mandatos por consulta popular, avançando,
por sua vez, na força
das democracias diretas, e sustentou o
caráter consultivo do
referendo, como instrumento não mais
terminante, mas
auxiliar do poder Executivo, garantindo, preventivamente, uma sintonia em etapa
de transição política e de
pressões da opinião
pública.
Abeberando-se das
inovações da Constituição Espanhola de então, a nossa Comissão propôs a figura
do defensor do povo,
para propor-se ao
amparo dos direitos da pessoa contra o
próprio Estado, em
contraponto ao entorpecimento burocrático das procuradorias e sua inevitável
distância dos clamores da cidadania.
E, exatamente, no
remate desse resguardo à impaciência cidadã, premonitoriamente, o documento de
86 criou o mandato de injunção, de modo a, exatamente, forçar o Estado de
Direito a ter, de fato,
a plena implementação
das normas e regulamentos que deem cara de realidade à Carta Magna. Neste
último quarto de século, entretanto, permaneceu, in albis, a proposta, e, por
certo, o atentado
mais fundo que sofre a
plena implementação do nosso Estado de Direito.
Celebra-se, cada vez
mais fora desses dias, a consolidação
da nossa democracia, da
consciência de sua irreversibilidade. Mas, por isso mesmo, é tempo, na acolhida
dos avanços previstos já há um
quarto de século, de
responder à prospectiva de nosso Estado de Direito.
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